Josafá R. Lima
Natureza do pentecostalismo.
Natureza do pentecostalismo.
O pentecostalismo é o
movimento de ordem religiosa que mais cresce em todas as partes do mundo. Só no
Brasil, somam cerca de 25 milhões de pentecostais, o que faz deste país o mais
pentecostal do mundo. (Oliveira, 2013). O que caracteriza o pentecostalismo é a
crença de que o falar línguas estranhas (glossolalia), fenômeno ocorrido com os
discípulos de Jesus no dia de Pentecostes (At 2), sempre esteve a disposição
dos crentes de todos os tempos, inclusive os de hoje. Não só o batismo com o
Espírito Santo, mas também os dons do Espírito, catalogados por Paulo no
capítulo 12 de sua primeira carta aos coríntios, estariam ainda hoje em
evidência na vida da igreja de Cristo.
Diferentemente dos
protestantes históricos, que defendem a ideia cessacionalista (a concessão do
batismo e dons do Espírito Santo aos crentes se restringiu aos dias dos
apóstolos), acreditam que Deus continua a agir, por meio de seu Espírito, da
mesma forma que agia na igreja primitiva, batizando crentes com o Espírito
Santo, curando enfermos, expulsando demônios, distribuindo dons e bênçãos
espirituais, realizando milagres, dialogando com seus servos, interferindo na
história e concedendo evidências gritantes de seu supremo poder no mundo e
negócios dos humanos.
As manifestações
desses sinais fazem com que os cultos da maioria dessas igrejas sejam muito
barulhentos e movimentados, com saltos, danças, giros, sapateados, carreiras,
choros, risos, levantar de mãos, bater de palmas e emissões de sons
ininteligíveis. Os pregadores normalmente mostram uma eloquência que parece de
ordem sobrenatural na pregação, ministração de curas, exorcismo e declaração de
bênçãos. Em casos mais extremos, acontecem arrebatamentos de sentidos e
êxtases. Isso faz com que os pentecostais sejam conhecidos como povo barulhento
e criticados por alguns seguimentos do cristianismo histórico, alguns chegando
mesmo a comparar as manifestações pentecostais com fenômenos ocorridos em
trabalhos religiosos afrodescendentes.
Origem do Pentecostalismo.
O Pentecostalismo como um movimento religioso
mundial estende raízes ao evento histórico do Dia de Pentecoste (Atos 2), porém
com conotações bem diferentes daquele evento original. Este movimento
barulhento que hoje vemos tem relação com o avivamento que varreu a América do
Norte no século 19 e teve sua maior expressão no histórico Avivamento da Rua Azusa,
tendo como elemento determinante em suas características atuais a presença dos
negros e das mulheres (Oliveira, 2004).
Finda a evangelização
do mundo da primeira igreja, com a oficialização do Cristianismo como religião
do império romano, houve o arrefecimento das manifestações como alegadas por
pentecostais. A igreja começou a se envolver em controvérsias teológicas e
escanteou a doutrina do Espírito Santo. Com exceção de fagulhas isoladas de
manifestações pentecostais que aconteciam algures, a igreja passou toda a Idade
Média desprovida desta experiência. Somente no final do século 18 e início do
século 19, um grande movimento fez surgir o movimento pentecostal como nós o
conhecemos hoje, o qual por algum tempo se restringiu aos limites das
fronteiras norte americanas até que ganhou proporções mundiais a partir do
histórico Avivamento da Rua Azusa.
A importância do Movimento da Rua Azusa.
As manifestações espirituais ocorridas na Rua
Azusa entre 1906 e 1913 foram tão intensas e tiveram tanta repercussão que se
tornou um referencial histórico conhecido como O Avivamento da Rua Azusa. Em
Azusa street, em um edifício quadrangular, outrora um depósito de cereais,
homens e mulheres começaram a se reunir, sob a liderança de W. J. Seymour, para
interceder pelos pecadores e clamar por um avivamento (Conde, 2000).
Em resposta às
orações dos que ali se congregavam, conta-se que os crentes começaram a ser
batizados com o Espírito Santo, os quais falavam em outras línguas, chamando a
atenção da imprensa local, por se tratar de uma novidade na época. Um repórter
do Los Angeles Times foi enviado a Azusa para reportar o que estava
acontecendo. A matéria que escreveu tornou-se uma semente em solo fértil.
Informados sobre o movimento, outras pessoas começaram acorrer ao local, alguns
desejosos de experiências mais profundas com o Divino, outros eram apenas
curiosos. (Araújo, 2007, p. 605).
Convém atentar para o
fato de que o movimento da Rua Azusa tinha a cara daqueles que o começaram. Era
um pequeno grupo de afrodescendentes que, sob o suposto poder de Deus,
provocava barulhos eletrizantes e estridentes. Ressalte-se o fato de que
começou com um pequeno grupo de crentes afro americanos, expulsos da Primeira
Igreja Batista de Los Angeles, liderados primeiramente por uma mulher, depois
por um humilde pregador, filho de ex-escravos, sem cultura, com limitados dotes
de oratória e cego de um olho. Podemos mesmo
afirmar que a igreja pentecostal tem uma “origem negra”.
Uma observação cuidadosa permite notar que tanto o pentecostalismo
americano quanto o brasileiro abraçaram o povo mais carente – e, como consequência,
o povo negro. É importante perceber que, nas várias denominações do
pentecostalismo clássico no Brasil, a participação de negros desde sua origem é
uma característica marcante. Muitos negros tiveram atividades importantíssimas
na formação de várias igrejas, ou mesmo de denominações pentecostais em seus
diversos segmentos.
(Oliveira, 2004, p. 30).
Citando W. Hollenweger, Florêncio Galindo diz que o pentecostalismo
clássico é produto do encontro entre uma espiritualidade especificamente
católica e a espiritualidade protestante dos antigos escravos negros do sul dos
Estados Unidos. (Oliveira,
2004, p. 26).
A alegria, a
irreverência e a extroversão dos negros deram de alguma maneira o tom
estridente e barulhento do Movimento Pentecostal. Era o tempo da discriminação
racial no sul dos Estados Unidos, e o professor de Seymour era simpatizante
deste sistema, permitindo que seu aluno negro assistisse suas reuniões somente
no corredor ao lado da sala onde as aulas aconteciam. Como se pode ver, o
movimento tem forte influência do negro desde sua origem.
Se imaginarmos que se
tratava mesmo de uma ação divina, o interesse da Divindade pode ter sido usar
pessoas de costume festivo, que sob a influência deste poder, provocasse barulhento
eletrizante, a fim de atrair a atenção de todos para o que estava acontecendo
ali. A graciosidade e espírito festivo dos negros eram indispensáveis.
Ao chegar ao Brasil em 1910, não foi diferente, a mensagem pentecostal encontraria terreno fértil numa nação formada em grande parte por pessoas afrodescendentes, índios, negros e mulatos, de maioria pobre. Alderi de Matos aponta dentre as razões da expansão pentecostal na América Latina, as vicissitudes históricas da obra evangelística e pastoral católica, o limitado trabalho das denominações protestantes, o misticismo das culturas ibero-americanas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais. Ou seja, o pentecostalismo vai proliferar a partir da ineficiência de igrejas históricas, dos graves problemas econômicos e sociais, do misticismo característico de nosso povo e de seu caráter festivo. Inicialmente o crescimento se dá lentamente, até que estoura a partir da década de 50.
Outrossim, como
observado por Oliveira (2004), o pentecostalismo que, diferentemente das
igrejas protestantes históricas, surgiu do avivamento iniciado por um negro e
filho de escravos, ao chegar ao Brasil vai se aproximar dos mais pobres e
negros.
Oliveira
(2004) esclarece que no Brasil os negros fizeram opção pelo Pentecostalismo,
haja vista que a maioria dos negros evangélicos participa do Movimento
Pentecostal. Entre outras razões para a adesão
dos negros ao Pentecostalismo, Oliveira cita a religiosidade do negro e o
espírito festivo deste.
A primeira dela, embora
não hereditária, mas que salta aos olhos, é a religiosidade do negro. Após
sofrer todas as atrocidades possíveis no tempo da escravidão, a raça negra no
Brasil conseguiu manter uma relação com o sagrado diferente das outras raças
imigrantes no país.
[...] a comunidade negra
manteve-se coesa na religião. Essa religiosidade tende a ser mais participativa
por não se sustentar apenas em conceitos de uma teologia abstrata e metafísica
– uma religiosidade na qual a fé torna-se real também pelo fato de o negro ter,
em sua negritude e origem, uma relação com a natureza que o faz perceber a ação
de Deus em todas as instâncias da vida e do cotidiano. (p. 50).
A outra característica da
comunidade negra que favoreceu sua identificação com o Movimento Pentecostal é
a espontaneidade e alegria, traduzidas no carisma. Esse é um traço fundamental
da negritude. O negro é espontâneo e alegre. O carisma do negro se revela no
jeito de ser povo, no modo de viver, sobreviver, dançar e sorrir. (ps. 51,52).
Por
falar em caráter festivo e uso do corpo como forma de expressão, é pertinente
citar que foram os negros que legaram ao mundo estilos musicais como o rep, o breake
e o samba. Ademais, a história dos negros que vieram para o Brasil está
intrinsecamente ligada à religiosidade que enfatiza a dança, os ritmos, o
batuque e a sensualidade (Oliveira, 2004). Não há, pois, como separar sua
cultura de seus rituais religiosos, uma vez que o corpo é muito utilizado nas
religiões afro, e não há como estes negros migrarem para outras religiões, como
o cristianismo, e não afetá-las com sua cultura e gingado. Por isso que dizemos
que muito dos movimentos que ocorrem nos cultos pentecostais, mormente nos
êxtases, tem a ver com a influência da cultura negra, talvez por isso haja
similitude entre alguns trejeitos dos cultos pentecostais e dos movimentos
cultuais afrodescendentes.
Nossa
teoria é a de que a influência vem de fontes diferentes, mas a reação ao pode é
de ordem cultural.
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