sábado, 21 de agosto de 2010

O que há com o homem?

Há os que criticam a maneira de viver do homem pós-moderno. Comentam que o capitalismo, que lança a sociedade na esteira do consumismo doentio, tem levado as pessoas a um estado de total alienação. A crítica mais forte e convincente que já tenho ouvido diz que corremos o tempo todo em busca de coisas a que atribuímos significado maior do que a própria vida (vida dos outros principalmente), que no afã de atender as obrigações de uma agenda abarrotada, reclamamos o tempo todo da exiguidade do tempo, mas quando nos desocupamos de alguma obrigação, o tempo contiua exíguo. Um amigo me contou que o tempo nunca era suficiente para executar as tarefas necessárias, até que um dia teve que parar de trabalhar por um problema de saúde, e ele lamentou que o tempo continuou exíguo. Uma professora comentou que o microondas economizou um tempinho nosso, mas nós não sabemos onde foi parar este tempo ou o que fizemos dele.

Funcionamos no automático o tempo todo, fazemos coisas que nem sabemos por que nem para quê. Outro dia, ouvi alguém contar de um senhor que, de repente, começou olhar para o céu e apontar alguma coisa. Poucos minutos depois, muitas pessoas à sua volta estavam também olhando para o céu e apontando, o quê, ninguém sabe. Isso ilustra muito a maneira de viver do homem atual. Ele é acometido por uma ansiedade por fazer o que todo mundo faz, em busca de objetivos que já estão predeterminados socialmente, objetivos que dificilmente lhe conferirão sentido à vida, mas que ele busca porque todo mundo busca.

O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) chamou este corre-corre, nas esteiras das múltiplas possibilidades, de dispositivo de fuga. Disse que as pessoas de sua época viviam na impropriedade, o que significa viver uma vida inautêntica, para fugir da angústia de se entrar em contato cosigo mesmo e evitar a angústia de pensar na finitude da existência, para a qual o homem se projeta. Para Heidegger, impropriedade é essa busca irrefletida pelo deleite nas coisas que possam conferir algum sentido à vida  e, quanto mais colado a elas o indivíduo fica, menos ele se conscientiza de sua real condição de finito e sesamparado no mundo. Por outro lado, à real condição humana, perdida na inautenticidade de nossas fugas cotidianas, ele chama de propriedade, ou seja, essa capacidade do ser de se apropriar de seu real estado, que é grande geradora de angústia. Em outras palavras, as escolhas que fazemos e ações que praticamos acontecem numa roda que gira continuamente em torno de um eixo que determina a velocidade e a posição em que tudo acontece. Somente aqueles que ousarem pular fora conseguirão viver uma vida autêntica. Mas pular fora resultará em angústia, muita angústia, principalmente pelo revés da queda. E ninguém quer dar conta dessa angústia. Amo uma frase de uma professora que disse: "A gente se agarra em sentidos fixos (um eixo) para não dar conta da angústia".

Ouço e leio esses pensadores e confesso que acho seus discursos muito bonitos, mas fico me perguntando se haveria outro jeito de este mundo se configurar que não causasse tanta insatisfação e controvésias.  Imagino que a maneira de ser do homem pós-moderno é, de alguma forma, a concretização de sonhos ambiciosos sonhados por outros homens que viveram de maneira bem diferente da nossa. Tenho dúvidas sobre se este ou aquele sistema personalizou-se, como fazem parecer os críticos, e, ardilosamente, elaborou padrões rígidos de condutas sociais para moldar o jeito de ser das pessoas. E aí eu fico me perguntando: A maneira de a gente estar no mundo poderia ser diferente? Se fosse, viveríamos melhor? Preencheríamos o nosso vazio a ponto de não precisarmos mais do comportamento que Heidegger chamou de fuga? Será que os padrões que temos foram preestabelecidos para determinar o nosso jeito de viver, ou é o nosso próprio jeito de viver que estabelece os padrões?

Lembro de ter ouvido o evangelista Billy Graham falar de um jovem que quando estava no campo, o seu maior desejo era ir para a cidade; mas, quando estava na cidade, sentia-se vazio e fugia para o campo. Talvez se isso aqui ainda fosse como nos calmos dias da sociedade campestre, nós estivéssemos lutando por algo bem parecido com o que temos hoje, como já fizeram os nossos antepassados. Por isso, olho com ceticismo os que ferrenhamente criticam os padrões que regem o comportamento da sociedade hodierna e desconfio que esta impropriedade denunciada por Heidegger caracterizaria melhor os que andam na contramão da maneira de se conduzir do homem contemporâneo, pois se todos estão fugindo, a experiência coletiva da fuga confere autenticidade a todos. Como dizia... parece-me que foi T. S. Eliot: "Num mundo em que todos são fugitivos, quem vai na direção contrária é que parece estar fugindo".

Um comentário:

história da biblia disse...

Muito boa a música! E como todo homem que acorda pra verdade! Paulo disse quando era menino fazia coisas de menino. “Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino,
mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” (I Cor. 13:11). Nesta música vejo o grito de muitos nesta nova era neoliberal: E eu canto hey-yeah-yea-eah, eah hey yea yea
Eu disse hey! O que está acontecendo? Sei que em todas as épocas se olhou pra trás e houve saudosismo do tempo, pois a evolução do tempo corre pelas mãos, mesmo sem se sentir que não há tempo que volte... Lulu Santos (Tempos Modernos). O grito de muitos o que está acontecendo? Então sai da caverna e vi a verdade. "A Caverna" Platão.