domingo, 31 de julho de 2022

PARÁBOLA DOS TALENTOS

 

I.                   A DISTRIBUIÇÃO DOS TALENTOS

Porque isso é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos, e entregou-lhes os seus bens (25.14).

1. Sentido original da palavra talento. Hoje, quando ouvimos dizer que alguém tem talento para alguma coisa, entendemos de imediato tratar-se de alguém com grande capacidade para algo. Por exemplo, dizemos que fulano tem talento para a música, esporte, liderança, etc. Mas nem sempre esta palavra teve essa conotação. Originalmente, o talento era uma unidade de peso, depois veio a ser uma unidade monetária equivalente a seis mil denários. O denário valia o trabalho de um dia. Então, um talento equivalia o trabalho de um homem por mais ou menos 18 anos.

2. Significado simbólico de “talentos” na parábola. Foi a partir da parábola de Jesus em Mateus 25 que a palavra talento começou a ter a conotação que tem hoje, haja vista que a interpretação desta parábola lança luz no sentido simbólico da palavra talento, sentido que pode englobar tanto dons espirituais quanto habilidades naturais das pessoas. Há estudiosos que preferem se ater ao significado espiritual dos talentos, mas há também os que interpretam de forma abrangente.

Algumas controvérsias aparecem nas opiniões dos teólogos sobre o real significado de “talentos” na parábola, mas todas as interpretações parecem razoáveis. Champlin apresenta algumas das intepretações em sua monumental obra O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo[1], conforme visto abaixo.

Alguns afirmam tratar-se das habilidades com que servimos a Deus, quer naturais, quer espirituais. Outros afirmam tratar-se da oportunidade espiritual, ou a outorga do conhecimento da verdade que Deus dá de si mesmo e de seu caminho da salvação. Para outros, a verdadeira interpretação parece bem ampla, que incluiria as habilidades concedidas por Deus, tanto naturais quando espirituais, com as quais podemos servir aos homens e glorificar a Deus, e também as oportunidades espirituais que recebemos. Teremos que prestar contas tanto do que fazemos como do que sabemos.

Se considerarmos que os talentos foram entregues a cada um segundo a sua capacidade natural, logo entendemos que os dons naturais que cada indivíduo possui e dons sobrenaturais estão imbricados.

3. Homem se ausentado do país. É uma expressão antiga para “viajar para o estrangeiro” e alude à ideia de alguém que se ausenta de seu país e do meio de seu povo por um período considerável de tempo. No contexto em que a parábola foi proferida, o sermão escatológico, podemos de imediato reconhecer que este senhor que se ausenta é uma referência ao próprio Jesus que, em breve, retornará ao céu, com a consequente promessa de sua parousia.

4. Os servos são chamados para receber os talentos

Uma forma antiga de os senhores tratarem seus escravos. Enquanto estivesse ausente, o senhor cuidaria de seus bens por meio de seus servos. Claro está que ele deseja tirar lucro de suas posses. Assim, dois caminhos estavam à frente, ou poderia fazer dos escravos agentes seus. Estes poderiam arar a terra, vender o produto do plantio e usar o dinheiro resultante como capital, para negociar, e aí haveria um contrato entre eles sobre quanto deveriam lucrar. Era o meio mais primitivo de fazer. O outro meio era valer-se dos bancos, do sistema de empréstimo a juros, inventados pelos fenícios que, nos dias de Jesus, estava em franco funcionamento por todo o império romano.

II.                A JUSTA DISTRIBUIÇÃO DOS TALENTOS

Originalmente o talento era um peso que variava de 26 a 36 quilogramas. Se de fato, seis mil denários fossem o valor de um talento, como já tivemos a oportunidade de ver supra, um talento corresponderia a seis mil dias de trabalho. Seriam necessários quase 20 anos para que um homem ganhasse essa quantia, ou seja, o trabalho de uma vida inteira. O escravo que recebeu cinco talentos recebeu um valor que lhe custaria trabalho de cerca de 90 anos para conseguir. Era considerável o valor que o senhor da parábola deu aos seus servos.

Temos compreensão de quão grande responsabilidade Deus confiou aos seus servos.

1. O que recebeu cinco talentos (vv 16, 19-21).

Ao receberem, saíram imediatamente e negociaram com eles. Foram rapidamente, porque tinham consciência de que precisavam dar o melhor de si, deixar aflorar todo o potencial, aproveitando todo o tempo que tivessem. Movidos pela diligência e objetivando a excelência.

O “imediatamente” convida o crente à prontidão e à diligência. Diligência envolve obediência, lealdade, senso de responsabilidade e certeza de recompensa no retorno de seu senhor (ver 1Co 15.10; Fl 4.13).

“Diligência” é uma virtude que combina persistência criativa, esforço inteligente, planejado e executado sem atrasos. É o oposto da indolência e ociosidade que vamos ver e discutir no comportamento do servo que enterrou o talento. Na Bíblia, a palavra grega é quase sempre traduzida por verdadeira seriedade, esforço sério ou, às vezes, ter pressa.

Como é forte este termo “imediatamente”. Não houve demora. Eles não sabiam quanto tempo o seu senhor ficaria ausente, por isso, tão logo partiu, começaram a negociar. Tudo o que te vier à mão para fazer faze-o conforme a tua força. (Luckyer, 1999; p. 278).

O tempo que temos é muito limitado, e a gente não pode adiar aquilo que é essencial na vida. Há pessoas que passam a vida toda procrastinando atividades fundamentais e são enroladas e impossibilitadas pelo tempo fugaz. Há uma música do grupo Nenhum de Nós que diz que o tempo engana aqueles que pensam que sabem demais. Há aqueles que dizem “amanhã eu faço”, “depois”, “próxima semana”, “próximo ano” e... o amanhã deles nunca chega.

Uma grande tarefa da vida é conseguir separar o que é importante do que é trivial, e depois separar o que é importante do que é indispensável. O trivial pode esperar até que o importante seja feito. E o importante terá que esperar até que o indispensável seja realizado. Há pessoas que gastam energia demais naquilo que é trivial. Há alguns que gastam toda a energia naquilo que é importante e acabam misturando o que importante com o que é indispensável. Ei, isso é indispensável para você? Vá imediatamente.

2. O que recebeu dois talentos.

Embora não igualmente produtivo, o escravo que recebeu dois talentos mostrou-se fiel. Ele poderia ter-se ressentido, sentir-se diminuído ao comparar-se com o que recebeu cinco. Mas não considerou nada disso, sabia que tinha recebido de acordo com sua capacidade e precisava trabalhar com o que tinha. Ademais, ele poderia ter ficado atrapalhado com o tamanho da responsabilidade superior a dois talentos. Segundo a avaliação do seu próprio senhor, ele não possuía capacidade para mais que isso. Deus não dá nem a mais nem a menos de nossa capacidade. Destarte, a gente corre o risco de cometer dois grandes erros na vida: 1) não fazer tudo o que a nossa capacidade nos permitiria ter feito; 2) querer ir além daquilo que é nossa capacidade.

            Há pessoas que passam a vida toda se ressentindo do que não possui e se esquecem de trabalhar ou mesmo desfrutar o que tem. Ei, o segredo da vida não é focar o que falta, mas investir no que se tem. Não é o que eu não tenho: é o que eu tenho. Deus que empreguemos proveitosamente tudo aquilo que temos, independente da quantidade. Pode ser a oferta da viúva pobre (Lc 21). Tem um hino que diz: “Dê o seu melhor, isso é o que Deus quer...”.   

Ambos os servos dobraram o valor, 100%. “Ao recebermos a graça, temos crescido na graça? Nosso desejo de orar tem se intensificado? A nossa esperança está mais firme e real? As aspirações do passado amadureceram? A nossa experiência espiritual e os resultados do nosso trabalho têm se multiplicado?” Somo espiritualmente prósperos ao negociar os bens do mestre? Aproveitamos ao máximo os talentos espirituais que nos foram confiados e, em vez de estoca-los, negociamos com eles para alegria e honra daquele que é o doador de todo o dom perfeito?

  3. O que recebeu um talento.

É deste homem que extraímos a principal lição desta parábola. Aliás, a parábola parece ter sido narrada por causa da condição ilustrada pelo homem que recebeu apenas um talento e o enterrou. Ele vai fazer usando uma argumentação que apenas disfarça sua preguiça e negligência.   

Fico me perguntando quais as suas reais razões. Talvez ele tivesse medo de perder o talento, logo o enterrou como medida de segurança. “É muito patético quando os homens têm medo de perder o que não vão usar”. Nunca perdemos o que usamos.  

Não foi uma desobediência ativa, mas passiva. Ele não foi desonesto. Ele não agrediu o talento, não o deteriorou, mas deixou de transformá-lo em lucro. Note que ele não foi desonesto. Ele foi, isso sim, preguiçoso, negligente e indigno de confiança. Não basta apenas se desviar da prática do mal, é indispensável se dedicar à prática do bem. Não basta apenas preservar o que tem, é necessário produzir alguma coisa.

Era um daqueles servos que não são externamente maus, mas que, no íntimo, são improdutivos, despreocupados e egoístas. Indiferença espiritual.

A parábola nos mostra que a indiferença para com a inquirição espiritual é uma maldade mortal e aberta (ver o caso de Esaú). Fala de alguém que gozou de oportunidades espirituais, mas que não lançou mãos delas, chegando mesmo a ignorá-las (ver o caso de Israel).

Ou o crente em Cristo que pode desperdiçar a vida seguindo coisas que não são compatíveis com a verdadeira vida de um discípulo genuíno ou negligenciar seus deveres. Haverá juízo em todos os casos (ver 2Co 5.10; Ap 14.11).  

Este servo representa muitos crentes formais de hoje, os quais têm todos os privilégios do evangelho, mas nunca pensam em usar e aumentar a sua oportunidade de compartilhar esses privilégios com outras pessoas. Enterram cada talento que possui. De nada adianta a misericórdia de Deus. É pequeno o seu desejo de crescimento nas coisas espirituais, o desejo pela Palavra de Deus e pelo testemunho que salva as almas. Esconderam a sua luz debaixo do velador.  

“Certamente existem outros homens de um talento só neste mundo em número mais numeroso que os homens de dois e de cinco talentos. Só existem alguns poetas como Keats, alguns inventores como Edson, alguns estadistas como Lincoln, ou pregadores como Crisóstomo. Perigos peculiares cercam os homens de um talento só. Ele é tentado a dizer: com minhas poucas aptidões, pouco se pode esperar de mim. Que posso fazer? O homem de um só talento inclina-se para o ressentimento”.

O quadro de sua queixa transparece em sua verdade psicológica. Ele culpou a Deus, chamando-o de homem severo, além de acusa-lo de ceifar onde não semeia. A crítica a Deus e aos homens é o meio de escape de muitas pessoas que sentem e se ressentem de sua mediocridade.

 

 

III.             O RETORNO DO SENHOR E A PRESTAÇÃO DE CONTAS

“Depois de muito tempo, veio o senhor daqueles servos e fez contas com eles...”

A expressão “depois de muito tempo” leva-nos a considerar algumas lições importantes: Primeiramente nos remete à parousia de Cristo, ou seja, à promessa de que Ele voltará e requererá a prestação de contas da parte de todos os homens; segundo, tem a ver com tempo indefinido, a surpresa e imprevisibilidade do tempo de sua vinda. Precisamos ainda considerar que Jesus pode vir a nós em morte ou em vida. A lição que a parábola nos passa, portanto, é que devemos estar ocupados até que ele volte.

Outra consideração é que o servo negligente teve tempo demais para mudar sua postura e, portanto, não terá desculpa. Aliás, vale ressaltar, a parábola dá muita ênfase à importância do tempo, primeiramente afirmando que os dois servos produtivos “imediatamente” foram negociar e, no muito tempo em que o senhor esteve ausente, tiveram abundante tempo para usar todos os dotes e recursos disponíveis. Então vemos dois servos que não perderam tempo algum trabalhando na promoção dos bens do Reino de Deus, e outro que teve todo o tempo do mundo para se arrepender e mudar de postura, mas não o fez.  “Quem sabe amanhã” é o que alguns repetem pela vida afora.

Recompensa aos que usaram e multiplicaram os talentos que receberam

Ao perceberem a chegada de seu senhor aqueles dois servos se aproximaram confiantes. Não tinha nada que temer. Apresentariam o resultado da obediência, diligência e trabalho. Em contrapartida, ouviram, cada um por sua vez, de seu senhor: “Bem está servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor”. Não existe nada na vida mais gratificante do que essa sensação de dever cumprido, de missão terminada, e ouvir do supremo avaliador: Aprovado. Aprovado por ser bom e fiel. E ser convidado honrosamente para participar da festa de seu senhor em sua companhia. Fico pensando o que muitas pessoas ouvirão no final da carreira.

O galardão do servo que enterrou o talento.

Diferentemente dos dois colegas, que se apresentaram com confiança, este servo chegou assustado, na defensiva. Normalmente as pessoas que, por negligência, não cumprem os deveres a que são comissionadas ficam na defensiva, sempre com um contra-argumento pronto, pois sabem que precisarão usá-lo quando forem cobradas. Ao perceber a chegada de seu senhor, este servo se apresenta num tom que beira a agressividade: “Mas, chegando também o que recebera um talento, disse: Senhor, eu conhecia-te, que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste e, atemorizado, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu” (Mt 25.24,25). Vale comparar a amabilidade dos dois primeiros servos com a agressividade deste.

Existem questões que são evidentes por si mesmas. Talentos foram dados para serem trabalhados e não para serem enterrados. Jesus disse: não se pode esconder uma cidade edificada sobre a rocha. Por isso que o conceito original de pecado é errar o alvo, dando a entender que o homem, com sua vida, não cumpriu o propósito para o qual fora criado. Por isso que quem desperdiça seus dons fazendo com eles outra coisa que não seja o propósito para o qual os recebeu peca.

Justificando o injustificável. Ele justificou o seu ato negligente e irresponsável culpando o seu senhor: Eu sabia que és homem severo que colhes onde não plantaste e ajuntas onde não espalhastes; e, atemorizado, escondi na terra o teu talento; tens aqui o que é teu. É a racionalização da preguiça doentia, que não permite nenhum reconhecimento da própria preguiça, indolência e negligência.

Como parte do mecanismo de defesa da racionalização, tentou disfarçar a sua malignidade própria com outro sentimento humanamente compreensível e aceitável, o medo.  

Inconvencível pelas evidências claras. O problema de ele ser minoria. De três, apenas um fez uma leitura negativa do patrão. Quem estava certo? Agora vamos imaginar que este senhor era mesmo um homem severo, por que essa severidade moveu os dois primeiros numa direção diametralmente oposta a este terceiro?

As pessoas preguiçosas e de índole má passam a vida toda ensaiando um discurso de auto justificação.   

Movido sempre na direção do erro, mesmo quando o estímulo possibilita outras escolhas: “Se sabias que sou duro, por que não deste meu dinheiro aos banqueiros?”  

Por fim, só havia uma justificativa para o comportamento daquele homem: Ele era um mau e negligente servo.

Tirai: “Para que ter se não usa. Põe nas mãos de quem fará bom proveito: Tirai-lhe o talento e dai ao que tem dez...”.

Porque a qualquer que tiver lhe será dado, e terá em abundância, mas o que não tiver, até o que tem lhe será tirado. Jesus está falando do montante inicial e do lucro em relação ao montante. Ele quis dizer que a tendência de quem trabalha diligentemente o montante inicial que recebeu da vida, de Deus é acrescer ainda mais para que seja ainda mais útil, porém o que não faz nada com o montante que recebeu inicialmente da vida, o que não lucrou nada, a tendência é perder até o montante inicial. Essa perda pode acontecer por deterioração ou mesmo por apreensão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




[1] O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo. Volume 1 / Mateus e Marcos: p. 657.

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