quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O que já não faz sentido

Acho que quase todas as pessoas têm o costume de guardar um amontoado de coisas em algum canto da casa. Imaginam que tais coisas podem ser úteis um dia, ou então lembram bons momentos distantes, ou porque simplesmente acham-se incapazes de se livrar delas por causa do fascínio que exercem. Assim, há quem faça coleção de chaves, cartões de aniversário, cartas, canetas, cadernos e agendas antigos, ferramentas gastas, etc. Antes que me esqueça, acrescento a essa lista os textos, documentos e recortes de jornais que são as coisas que sou viciado em guardar. Guardo-os com a mais sincera intenção de relê-los um dia.

Mas o danado é que o espaço vai se apertando e o tempo se exaurindo na medida em que o acúmulo anoso dos objetos de nossa devoção se expande, forçando a gente a fazer uma limpeza de vez em quando. Não que um dia o espaço nos falte totalmente, pois o imagino infinito, mas porque, à semelhança da memória do computador, quanto mais espaço livre tivermos, mais agilidade teremos na execução de tarefas. Em relação ao tempo, não posso dizer o mesmo, pois o tempo fica mais escasso na proporção inversa em que aumentam as velas em nosso bolo de aniversário.

Foi com esse pensamento que resolvi rever todos aqueles textos que guardei ao longo dos anos no fundo da gaveta com a intenção de retomá-los sabe-se lá quando. Passei um por um, apreensivo pela seleção que teria que fazer, determinando o que ficaria e o que iria embora. O resultado foi surpreendente: joguei quase todos fora. Primeiramente porque conclui não haver mais tempo para retomá-los, pois tenho menos dias para gastar e, por conseguinte, preciso focar o que é rigorosamente essencial. Segundo, percebi que a maioria daqueles escritos, que já li com tanto entusiasmo, já não fazia sentido para mim. Ou eu não fazia mais sentido para eles. E pensar que há poucos anos, eu não abriria mão desses textos por nada. Mas agora foi tão fácil jogá-los. Os textos eram os mesmos, dos mesmos autores, sobre aquelas mesmas circunstâncias e temas, mas eu era outra pessoa.

Nossos baús e bagagens não se restringem a coisas apenas. Nós também guardamos pensamentos, sentimentos e emoções que cavaram sulcos profundos na alma. Conservamos lembranças de pessoas e de momentos que não queremos esquecer, porque exercem um fascínio muito grande sobre nosso espírito. Mas ,semelhante à limpeza que precisamos fazer, às vezes, em relação às coisas guardadas, há uma necessidade de, vez por outra, nos desprendermos de algumas lembranças, sentimentos e emoções, bagagens que apenas ocupam espaço, visto que não será mais possível retomá-las. E isso também por uma questão de tempo e de sentido.

Acredito que toda pessoa já passou pela experiência de despedir-se de um amigo ou de um amor, com juras eternas de lealdade, quando houve a necessidade de mudar de uma cidade para outra. Mas o tempo passa e, quando volta, não consegue mais se relacionar como antes, tudo é tão estranho. Isso acontece porque as pessoas mudaram, principalmente por causa do contato de uma das partes com novos ambientes e relações, e torna-se impossível retomar a convivência do jeito que já fora. Já dizia um filósofo que "é impossível pisar no mesmo rio duas vezes". Na segunda pisada, já não se trata do mesmo rio nem da mesma pessoa.

A mudança do indivíduo acarreta mudanças significativas em todas as suas relações e tira todas as coisas de sua posição original, alterando toda a realidade à sua volta. É a partir dessa compreensão que podemos discutir a questão do significado inconstante de tudo o que existe. A questão sobre o sentido da vida com todas as suas nuances é muito abordada na psicologia. A existência é uma roda que gira o tempo todo, tirando e trocando tudo de lugar. E neste vai-e-vem, tudo o que existe troca de papel, assume novas roupagens e muda de significado para os elementos relacionados. Logo, na dinâmica da vida, o que um dia foi importante pode deixar de sê-lo e o que era irrelevante pode vir a assumir valor fundamental, mas tudo dentro de um processo que quase nunca acontece de forma clara para nós. É necessário, portanto, discernimento para avaliar, de acordo com o momento, qual o grau de importância que não somente as coisas, mas também as relações ainda têm para a vida. Somente assim, podemos nos desprender de tudo que já não tem sentido para propiciar uma vida fluida e feliz e buscar novos caminhos, novos significados, num exercício de seleção que evitará o acúmulo de resíduos que servem apenas para ocupar espaço e obstruir o sistema, causando preocupações desnecessárias. Ouvi de uma professora que " a gente se agarra a sentidos fixos para não dar conta da angústia". Penso que agarrar-se a sentidos fixos é não reconhecer que algo, outrora muito significativo, pode estar destituído de importância hoje.

Finalizando, para uma vida feliz, precisamos entender que é próprio das coisas e das relações, na roda do tempo, adquirirem novos significados. Desse modo, umas deixam de fazer sentido para nós, enquanto que outras, outrora sem importância, passam a fazer sentido. Nós mudamos o tempo todo, alterando a compreensão e visão que temos de tudo, por isso, todo mundo precisa de vez em quando desprender-se das coisas, relações e comportamentos que deixaram de fazer sentido para a vida, que já foram muito importantes um dia, mas que, com o passar dos anos, foram destituídos do significado inicial e agora são apenas entulhos impedindo a absorção de novas experiências que resultem em novas possibilidades.

Cara, é preciso ter desprendimento e humildade.

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