Gosto muito dessas tirinhas de Luís Fernando Veríssimo. Na verdade, gosto de tudo o que este autor escreve. O senso crítico e reflexivo de sua abordagem da realidade, além de muito engraçado, desperta reflexões profundas. Ler Veríssimo é uma maneira divertida de se angustiar.
As personagens da tirinha, as cobras, são personagens irreverentes que questionam tudo e fazem de tudo. Deus, o universo, as pessoas, tudo enfim são objetos e sujeitos de sua reflexão e crítica. Nas tirinhas em apreço, gosto de ver a ilustração do quanto nós, humanos, somos
irremediavelmente curiosos acerca de tudo, incluindo as questões metafísicas, como a origem de todas as coisas. Desde o homem mais primitivo até o homem
moderno, a inquietação e curiosidade com a origem, propósito e sentido da vida estão evidentes. A necessidade de resposta criou os vários mitos cosmogônicos, as teorias filosóficas e científicas, tudo muito insatisfatórios para dar conta dessa curiosidade insaciável.
O cosmos nos
impressiona, paralisa, desperta questionamentos e busca por sua origem.
Todavia, parece tratar-se de uma realidade que foge à compreensão por causa das
limitações estruturais de nossa mente. Pensando na grande sacada de Kant
acerca da teoria do conhecimento, segundo quem só conseguimos conhecer a partir
de estruturas mentais que nos limitam a tempo e espaço,
entendemos que a
humanidade viverá pelo tempo que lhe convier com essas questões cujas respostas
esbarram nas limitações e nossos recursos epistemológicos. Ademais, as tirinhas
mostram que nós temos uma capacidade muito grande de abstração, de desenvolver
teorias e dar respostas evasivas ao mistério insondável – por exemplo, a resposta do personagem dizendo
que a vida é este hiato de perplexidade entre dois vazios, apenas dando conta de aspectos da multiplicidade da existência, ou uma forma de poetizar a realidade inapreensível pelos meios literais, e aí acho que o mito mostra-se mais satisfatório para tal propósito.
Noto também que, na tirinha acima, há um retorno à mesma pergunta inicial, depois da incompletude e insatisfação da resposta, ou
seja, voltamos sempre a mesma questão depois das respostas insatisfatórias
acerca do mistério. Por fim, vemos que questões ontológicas são coisas nossas,
que nos perturbam e fascinam, pois o mundo irracional
e/
ou inanimado, como as estrelas, não se importam
nem se alteram com isso. Acho que foi Francis Bacon que disse que Galileu fez muito bem
em ter renunciado às suas ideias heliocêntricas para escapar com vida, afinal
de contas, tivesse sido sacrificado pela Inquisição por persistir em afirmar suas descobertas, em
nada teria alterado a ordem das coisas.
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