Rascunho de uma reflexão sobre a vida
Durante algum tempo prestando atendimento psicológico a pacientes de um grande hospital de São Paulo, o fenômeno que mais me chamou a atenção foi a frequência com que alguns assuntos apareciam na fala dos pacientes, dos quais destacaram-se os seguintes: família, lugar de origem e religiosidade. Normalmente deixávamos aquelas pessoas livres para falar do que desejassem e, entre um assunto e outro, elas acabavam resvalando para os temas acima referidos. Ainda que tentássemos focar outros assuntos, como trabalho, dinheiro, moda, etc, sempre falávamos à sombra de família, religião e origem.
Não era a simples citação desses temas pelos pacientes que me chamava a atenção, afinal de contas as pessoas, no dia- a-dia, fazem referência à família, à religiosidade e às suas origens, porém naqueles pacientes, limitados a um leito hospitalar, a fala se apresentava carregada de muita emoção, de significados bem definidos, denotando reflexões profundas sobre os assuntos que abordavam. Alguns deles, por exemplo, falavam da esposa e dos filhos como se houvessem descoberto, somente ali no hospital, um grande segredo: o de que a esposa e os filhos eram tudo o que tinham de mais importante na vida. Outros aludiam à terra de origem e citava os pais, irmãos e amigos distantes, numa fala tão carregada de nostalgia e emoção que pareciam nunca antes, fora do hospital, terem se apercebido da importância de suas raízes. Em referência à religiosidade, expressada na figura de Deus, não era diferente: pareceu-me que o momento de angústia aflora a fé, confere-lhe vida e cores tão fortes, diferente da maneira como ela é banalizada no cotidiano da vida das pessoas.
Enquanto atendia meus pacientes e ouvia cuidadosamente a fala deles, a hipótese que me campeava a cabeça era que a diferença que caracterizava suas palavras achava-se no campo da reflexão, instaurado pelas particularidades do ambiente hospitalar. Os indivíduos que atendi não passavam pelas coisas simplesmente, eles detinham e pensavam sobre as coisas.
Segundo a leitura fenomenológica de homem, na maioria das vezes somos impróprios e passamos pela vida de forma apressada, o que nos impossibilita de estar com as coisas e se apropriar delas. Fazemos uso das coisas e nos relacionamos com muita gente, porém raramente refletimos sobre a importância das pessoas e objetos de nossos relacionamentos. "Estar com" é "refletir sobre", apropriar-se (Forghieri, 2006).* À maneira normalmente irrefletida de vivenciar o mundo, Forghieri (2006) se refere como vivência imediata, enquanto que o jeito reflexivo de lançar o olhar sobre o mundo em nossa volta, a mesma autora chama de vivência racional, e afirma que o existir humano está sempre cheio de possibilidades e limites, ora pré-reflexiva ora racionalmente.
Não era a simples citação desses temas pelos pacientes que me chamava a atenção, afinal de contas as pessoas, no dia- a-dia, fazem referência à família, à religiosidade e às suas origens, porém naqueles pacientes, limitados a um leito hospitalar, a fala se apresentava carregada de muita emoção, de significados bem definidos, denotando reflexões profundas sobre os assuntos que abordavam. Alguns deles, por exemplo, falavam da esposa e dos filhos como se houvessem descoberto, somente ali no hospital, um grande segredo: o de que a esposa e os filhos eram tudo o que tinham de mais importante na vida. Outros aludiam à terra de origem e citava os pais, irmãos e amigos distantes, numa fala tão carregada de nostalgia e emoção que pareciam nunca antes, fora do hospital, terem se apercebido da importância de suas raízes. Em referência à religiosidade, expressada na figura de Deus, não era diferente: pareceu-me que o momento de angústia aflora a fé, confere-lhe vida e cores tão fortes, diferente da maneira como ela é banalizada no cotidiano da vida das pessoas.
Enquanto atendia meus pacientes e ouvia cuidadosamente a fala deles, a hipótese que me campeava a cabeça era que a diferença que caracterizava suas palavras achava-se no campo da reflexão, instaurado pelas particularidades do ambiente hospitalar. Os indivíduos que atendi não passavam pelas coisas simplesmente, eles detinham e pensavam sobre as coisas.
Segundo a leitura fenomenológica de homem, na maioria das vezes somos impróprios e passamos pela vida de forma apressada, o que nos impossibilita de estar com as coisas e se apropriar delas. Fazemos uso das coisas e nos relacionamos com muita gente, porém raramente refletimos sobre a importância das pessoas e objetos de nossos relacionamentos. "Estar com" é "refletir sobre", apropriar-se (Forghieri, 2006).* À maneira normalmente irrefletida de vivenciar o mundo, Forghieri (2006) se refere como vivência imediata, enquanto que o jeito reflexivo de lançar o olhar sobre o mundo em nossa volta, a mesma autora chama de vivência racional, e afirma que o existir humano está sempre cheio de possibilidades e limites, ora pré-reflexiva ora racionalmente.
O que possibilita ao homem lançar o olhar de reflexão sobre o seu mundo circundante é a angústia (a angústia da falta, da perda, do vazio). Podemos ilustrar da seguinte maneira: o indivíduo entrou em casa e não olhou para a lâmpada acesa no teto, muito menos se deu conta da importância dela, o que só conseguiu fazer quando acabou de repente a luz elétrica. A escuridão da noite, que o impossibilitou de executar tantas tarefas importantes, o desconcertou, lançando-o num mal-estar existencial que o remeteu para a reflexão e, portanto, o fez apropriar-se da importância da lâmpada acesa. É a partir dessa leitura que compreendemos que, no geral, as pessoas vivem no automático (na inautenticidade), sem refletirem sobre a real importância dos bens disponíveis. Somente um rompimento brusco pode tirá-las do automático e desnudar a vida, com todas as suas nuances, submetida-a à reflexão (Forghieri, 2006).
Acidentes de percursos na vida de uma pessoa, como os casos que atendi no hospital (acidentes, atropelamento, diagnóstico de uma enfermidade, etc.) acabam por tirar o indivíduo de suas atividades rotineiras, principalmente o trabalho, lançando-o em um ambiente físico e psicológico que possibilita sérias reflexões sobre a vida e aquilo que realmente é importante para ele. É quando se sobressaem as grandes questões da existência, que geralmente são sopitadas pelas ocupações próprias da sociedade contemporânea, e começam a aflorar os tesouros inestimáveis que estavam ali, bem perto de nós, o tempo todo, mas não demos conta do seu real valor. Mas agora, na propiciabilidade do ambiente hospitalar, a mente retoma, reavalia, ressignifica e atribui valores justos a quem é de direito. Por isso, o desejo daqueles pacientes de falar sobre a família, amigos, origens, religião ou... do que realmente importa.
Acidentes de percursos na vida de uma pessoa, como os casos que atendi no hospital (acidentes, atropelamento, diagnóstico de uma enfermidade, etc.) acabam por tirar o indivíduo de suas atividades rotineiras, principalmente o trabalho, lançando-o em um ambiente físico e psicológico que possibilita sérias reflexões sobre a vida e aquilo que realmente é importante para ele. É quando se sobressaem as grandes questões da existência, que geralmente são sopitadas pelas ocupações próprias da sociedade contemporânea, e começam a aflorar os tesouros inestimáveis que estavam ali, bem perto de nós, o tempo todo, mas não demos conta do seu real valor. Mas agora, na propiciabilidade do ambiente hospitalar, a mente retoma, reavalia, ressignifica e atribui valores justos a quem é de direito. Por isso, o desejo daqueles pacientes de falar sobre a família, amigos, origens, religião ou... do que realmente importa.
*FORGHIERI, Y. C. Aconselhamento terapêutico, origens, fundamento e prática. São Paulo: Thomso Learning, 2006.
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