sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O teimoso e o perseverante

Josafá R. Lima

É preciso discernimento para perceber que alguns meios que estamos usando para atingir certo fim atrasarão muito a chegada, ou mesmo a inviabilizarão, e então ter desprendimento e coragem para buscar outros caminhos mais viáveis que levarão ao mesmo lugar, desde que sejam legítimos”. Foi a partir desta ideia que um amigo me contou, recentemente, a diferença entre o teimoso e o perseverante. Ele sentou-se comigo e mandou preparar um suco natural de laranja propício àquela tarde quente e, enquanto sugávamos o líquido fresco, ele dizia que tanto o teimoso quanto o perseverante tem um alvo, ou seja, um lugar determinado para chegar, mas a grande diferença é que o perseverante considera as várias possibilidades para atingir seu objetivo, podendo transitar entre uma e outra, dependendo do grau de dificuldade encontrado, enquanto o teimoso não consegue enxergar mais que uma possibilidade. Achei muito interessante e fui para casa pensando sobre o assunto.

Mais tarde, ensinando aos crentes de minha igreja, fiz referência às palavras do pastor Marcelo Barbosa para falar sobre o vasto campo de possibilidades que a vida proporciona. Neste vasto universo de possibilidades, muitos são os trajetos que podem conduzir ao mesmo alvo, e a gente só precisa ter maleabilidade para buscar as alternativas mais adequadas sempre que percebermos que o meio por que estamos buscando algo atingiu um grau tão alto de dificuldades que não mais vale a pena persistir nele. Acrescentei que para o perseverante, o trajeto e o alvo são complementares, porém diferentes; para o teimoso, todavia, uma coisa é parte integrante da outra. Por isso que há momentos em que o primeiro muda a rota, apesar de persistir no mesmo alvo, pois sabe que mudança de rota não significa necessariamente mudança de objetivo, enquanto que o segundo não vê a possibilidade de mudar uma coisa sem alterar a outra.

Quantas pessoas, acalentando um sonho, palmilham há anos o mesmo caminho, vendo suas chances se limitarem cada vez mais, porém teimam em andar por uma estrada íngreme, desconsiderando todos os outros trajetos que lhe poderão conduzir ao mesmo lugar. São escravos de velhos hábitos e de antigos padrões. Já dizia o poeta: “Morre lentamente quem se torna escravo dos hábitos, repetindo todos os dias o mesmo percurso”. Não significa mudar todo momento a direção ou buscar atalhos aparentemente fáceis, mas ter uma visão aguçada para perceber quando não dá mais para insistir numa direção e precisamos pegar um desvio na estrada. As ferramentas se desgastam pelo uso, e o apego a ferramentas gastas torna-se um grande desperdício de energia.

O apóstolo João, no capítulo cinco de seu evangelho, registra a história de um paralítico que, há 38 anos, esperava um milagre á beira de um tanque chamado Betesda (casa de misericórdia). Havia na região uma história segundo a qual um anjo descia em certo tempo e agitava aquelas águas, e a primeira pessoa que mergulhasse no tanque, após a agitação das águas, seria curada de qualquer enfermidade. Não sabemos com que frequência o anjo descia, ou se descia de fato, o que temos de concreto é que aquele paralítico nunca conseguiu a graça de ser o primeiro a entrar nas águas agitadas pelo anjo, porque sempre que ele tentava, descia alguém antes dele. Suas chances diminuíam com a idade, sua tristeza não tinha fim, seu tempo de espera era indefinido e o resultado incerto. 

O paralítico de Betesda concentrou toda sua vida na expectativa da cura por meio do fenômeno do tanque. Ele estabeleceu um fluxo rigoroso em que a felicidade passava pela cura, e a cura passava terminantemente pelas águas de Betesda. Era uma pessoa extremamente centrada naquela única possibilidade, a ponto de se tornar distraída em relação a toda a vida que se passava ao redor. Convém ressaltar que uma pessoa distraída não é alguém sem objetivo ou disperso, trata-se de uma pessoa extremamente focada em um objetivo, a ponto de todo o resto desaparecer do campo de visão. É assim que um aluno em dias de provas e o estudante que vai prestar o concurso público esquecem até a senha do banco que usa há anos, ou a noiva que, com a proximidade da data do casamento, esquece a panela no fogo ou o ferro de passar roupas ligado.

João conta que Jesus se aproximou daquele homem e, sabendo que estava assim há trinta e oito anos, perguntou-lhe se queria ficar curado. Mas o paralítico estava tão focado nas águas de Betesda e, por conseguinte, tamanha era sua distração ao que se passava à sua volta, que ele não conseguiu atentar para a graça majestosa no olhar daquele que lhe falava. Sua resposta é sintomática de uma alma engessada e distraída. Ele se queixou, primeiramente de que não tinha ninguém por ele e, segundo, de não conseguir entrar nas águas. Como já fizemos referência acima, ele estabeleceu um fluxo: a água é agitada – alguém o mete no tanque – ele recebe a cura. Tudo o que fugisse disso não mereceria atenção. Ele não considerava nenhum outro meio para cura, além das águas de Betesda, nem mesmo este encontro privilegiado com o Filho de Deus. Jesus o curou por misericórdia.

Muitos estão numa luta inglória, porque não conseguem separar o alvo que estão buscando do caminho em que estão trilhando, e mesmo que os obstáculos à frente tornem-se intransponíveis para os recursos que possuem, teimam em prosseguir, porque não conseguem enxergar as múltiplas vias que a vida proporciona para se chegar a um mesmo lugar, possibilidades, aliás, muito bem exploradas pelo sábio perseverante que, ao perceber que a estrada em que está não faz mais sentido, busca uma trilha, vai ampliando sua rota até atingir o alvo de sua vida.

As águas vão contornando os obstáculos até que desaguam no mar. Há muitos caminhos para o mesmo destino e, desde que sejam legítimos, podemos e devemos escolher os mais viáveis.

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