sexta-feira, 8 de abril de 2011

Meu amigo "Setembo"


A vida no canavial era dura e humilhante. Todos tínhamos vontade de largar tudo e ir em busca do emprego dos sonhos. Mas naquelas circunstâncias, não havia alternativa à vista. Sonhávamos então. Sonhar não custa nada e, como dizia o poeta, dá ao homem o dom de suportar o mundo nos ombros. “Quem sabe um dia o emprego na cidade grande”. Poderia de ser de faxineiro, ajudante de pedreiro, cobrador de ônibus ou garçom... qualquer coisa que pusesse fim àquela semi-escravidão.

Dentre todos, “Setembo” era o que mais sonhava. Ele era um sujeito forte, muito trabalhador  e muito tagarela também. Ainda não sei a razão por que lhe puseram este apelido – o nono mês do ano sem a letra “r" -; sei dizer, isso sim, que "Setembo" era muito boa gente, apesar das histórias mirabolantes que costumava contar.

Um dia, no final da moagem – colheita da cana-de-açúcar, que acontece de setembro a fevereiro todos os anos –, Setembo, todo entusiasmado, disse-me: “Eu tenho um parente no Recife que está vendo um emprego lá para mim. Quero, desde já, despedir-me. Na próxima moagem, não conte comigo neste inferno.
Fiquei contente pelo amigo: ele estava dando um salto para melhor. Fiquei triste por mim: eu estava perdendo a companhia de todos os dias.

Os seis meses de plantio se passaram. Nesse período, que vai de março a agosto, os trabalhadores, a maioria deles, são demitidos e só voltam ao trabalho na moagem seguinte. Agora, uma nova colheita estava começando. De volta ao canavial, logo no primeiro dia, qual não é a minha surpresa quando dou de cara com Setembo – não sei se para minha alegria ou para minha tristeza.

Oxente, Setembo, e o emprego no Recife? – perguntei, sarcástico.
Ele me olhou de soslaio, soltou uma expiração do mais fundo do peito e desabafou:
É, meu amigo: quem nasceu “pra” ser boi nunca vai ser leão.



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